O Arcadismo e a famosa obra Marília de Dirceu

O livro Marília de Dirceu é a principal obra do Arcadismo brasileiro.
O livro Marília de Dirceu, publicado pela editora Martin Claret, é a principal obra do Arcadismo brasileiro.

Neste artigo, você vai conhecer o Arcadismo, descobrir onde surgiu esse estilo de época e quais são as suas principais características. Também vai saber quais são os principais autores do Arcadismo no Brasil. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

Onde surgiu e quais são as características do Arcadismo?

O Arcadismo nasceu na Europa do século XVIII, como influência do Iluminismo e com a missão de neutralizar o estilo barroco. O objetivo dos poetas árcades era fazer um resgate dos temas clássicos e renascentistas. Assim, esse estilo de época também é conhecido pelo nome de Neoclassicismo.

O Arcadismo enaltece os espaços bucólicos, isto é, a natureza em sua beleza e tranquilidade. Por isso, uma de suas características é apresentar elementos que valorizem o campo em detrimento da cidade, é o fugere urbem ou “fuga da cidade”. Nessa perspectiva, também apresenta o locus amoenus ou “lugar ameno”.

O poeta árcade valoriza a simplicidade, é contrário aos excessos barrocos. Portanto, expressa a aurea mediocritas ou “mediocridade áurea”. Do mesmo modo, defende o inutilia truncat ou “cortar o inútil”. Para que ter mais do que precisamos? O Arcadismo idealiza o amor e a mulher amada, verdadeiros tesouros para o poeta.

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A estética árcade nos inspira a aproveitar o momento, é o carpe diem. Porém, devemos ser equilibrados. Aproveitar o momento é contemplar a natureza, sem cometer excessos. Há também o pastoralismo, identificado na poesia árcade pela presença de pastores, pastoras e ovelhas em ambiente obviamente campestre.

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Quais são as características do Arcadismo no Brasil?

CARACTERÍSTICADETALHES
Fugere urbemHá uma valorização do ambiente campestre. Portanto, um estímulo a “fugir da cidade”.
Locus amoenusO eu lírico enaltece a calma e a simplicidade do campo, isto é, valoriza o “lugar ameno”
Aurea mediocritasA poesia árcade defende a simplicidade, é contrária aos excessos. Portanto, como dizemos hoje, “o menos é mais”, daí a “mediocridade áurea”.
Inutilia truncatSe os árcades condenam os excessos, estimulam os leitores a “cortar o inútil”.
Carpe diem“Aproveitar o momento” e contemplar a paisagem são coisas que a poesia árcade estimula. Porém, é preciso aproveitar com moderação.
Idealização amorosaO amor é idealizado, portanto não concretizado, e perfeito na teoria.
Idealização da mulherA mulher é considerada bela, virgem e moralmente superior.
PastoralismoO poeta se diz pastor de ovelhas, chama sua amada de pastora, e vivem em um ambiente bucólico.
Resgate de temas clássicos e renascentistasReferências greco-latinas, como, por exemplo, a menção a Cupido, o deus do amor.
Elementos políticosO Arcadismo chega ao Brasil durante um período histórico marcado pela Inconfidência Mineira, de forma que questões políticas desse período acabam aparecendo em alguns versos da época.
Uso de pseudônimosNo Brasil, os poetas tinham pseudônimos, de forma a valorizar a cultura e não a própria individualidade. O pseudônimo de Tomás Antônio Gonzaga era Dirceu.
Traços românticosOs dois poemas épicos do nosso Arcadismo, ou seja, O Uraguai e Caramuru, podem ser considerados pré-românticos, pois apresentam nacionalismo, além do protagonismo indígena.

A obra Marília de Dirceu

Marília de Dirceu é a principal obra do Arcadismo brasileiro. Ela é composta por liras que expressam emoções e sentimentos do eu lírico, ou seja, Dirceu, o qual enaltece sua amada. Na primeira parte do livro, é possível observar todas as características do Arcadismo europeu.

Porém, a segunda parte foi escrita quando Tomás Antônio Gonzaga estava preso, acusado de traição, ou seja, de envolvimento no que hoje chamamos de Inconfidência Mineira. Por esse motivo, é possível observar um tom melancólico e, em alguns momentos, até sombrio, não condizentes com a estética árcade.

Para exemplificar, vamos transcrever a seguir duas liras, uma da primeira, e outra da segunda parte, dessa obra que é o primeiro best-seller da literatura brasileira. Aliás, é preciso dizer que a linguagem utilizada era simples e clara para a época. Entretanto, leitoras e leitores atuais podem sentir certa dificuldade na leitura da obra.

Na LIRA III, da primeira parte, o eu lírico enaltece a beleza de Marília:

De amar, minha Marília, a formosura 
Não se podem livrar humanos peitos. 
Adoram os Heróis; e os mesmos brutos 
Aos grilhões de Cupido estão sujeitos. 
Quem, Marília, despreza uma beleza
A luz da razão precisa; 
E se tem discurso, pisa 
A lei, que lhe ditou a Natureza. 

Cupido entrou no Céu. O grande Jove 
Uma vez se mudou em chuva de ouro; 
Outras vezes tomou as várias formas 
De General de Tebas, velha e touro. 
O próprio Deus da Guerra, desumano, 
Não viveu de amor ileso; 
Quis a Vênus, e foi preso 
Na rede, que lhe armou o Deus Vulcano. 

Mas sendo Amor igual para os viventes, 
Tem mais desculpa, ou menos esta chama: 
Amar formosos rostos acredita, 
Amar os feios de algum modo infama. 
Quem lê que Jove amou, não lê nem topa, 
Que amou vulgar donzela: 
Lê que amou a Dánae bela, 
Encontra que roubou a linda Europa. 

Se amar uma beleza se desculpa 
Em quem ao próprio Céu e terra move, 
Qual é a minha glória, pois igualo, 
Ou excedo no amor ao mesmo Jove? 
Amou o Pai dos Deuses Soberano 
Um semblante peregrino;
Eu adoro o teu divino, 
O teu divino rosto, e sou humano.

Já na LIRA V, da segunda parte, o eu lírico fala de seu sofrimento, já que está na prisão. Mas ele resiste, pois tem esperança de reencontrar Marília:

Os mares, minha bela, não se movem;
O brando Norte assopra, nem diviso 
Uma nuvem sequer na Esfera toda; 
O destro Nauta aqui não é preciso; 
Eu só conduzo a nau, eu só modero
Do seu governo a roda. 

Mas ah! que o Sul carrega, o mar se empola, 
Rasga-se a vela, o mastaréu se parte! 
Qualquer varão prudente aqui já teme:
Não tenho a necessária força e arte. 
Corra o sábio Piloto, corra e venha 
Reger o duro leme. 

Como sucede à nau no mar, sucede 
Aos homens na ventura e na desgraça; 
Basta ao feliz não ter total demência; 
Mas quem de venturoso a triste passa, 
Deve entregar o leme do discurso 
Nas mãos da sã prudência. 

Todo o Céu se cobriu, os raios chovem;
E esta alma, em tanta pena consternada, 
Nem sabe aonde possa achar conforto. 
Ah! não, não tardes, vem, Marília amada, 
Toma o leme da nau, mareia o pano, 
Vai-a salvar no porto. 

Mas ouço já de Amor as sábias vozes: 
Ele me diz que sofra, se não, morro; 
E perco então, se morro, uns doces laços. 
Não quero já, Marília, mais socorro; 
Oh! ditoso sofrer, que lucrar pode 
A glória dos teus braços!

Autores do Arcadismo brasileiro e suas principais obras

  • Tomás Antônio Gonzaga: Marília de Dirceu e Cartas chilenas.
  • Silva Alvarenga: Glaura.
  • Alvarenga Peixoto: Canto genetlíaco.
  • José Basílio da Gama: O Uraguai.
  • José de Santa Rita Durão: Caramuru.
  • Cláudio Manuel da Costa: Obras poéticas de Glauceste Satúrnio.

Principais autores do Arcadismo europeu

  • José María Vaca de Guzmán — espanhol.
  • Manuel Maria Barbosa du Bocage — português.
  • Vicenzo Monti — italiano.

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Leia também este livro: Arte, literatura e política.

Referências

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2015.

GONZAGA, Tomás Antônio. Marília de Dirceu. Porto Alegre: L&PM, 2007.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.