Neste artigo, você vai saber o que é o hipérbato. Além disso, vai descobrir qual é a sua importância para a literatura. Também vai poder ler alguns exemplos para entender ainda mais sobre esse assunto. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.
O que é o hipérbato?
A ordem natural de uma oração é SUJEITO + VERBO + COMPLEMENTO e/ ou PREDICATIVO. Por exemplo:
Dolores buscou a melhor solução.
Assim, temos:
- sujeito: Dolores;
- verbo: buscou;
- objeto direto: a melhor solução.
Pois bem, se invertemos a ordem natural da frase, temos um HIPÉRBATO:
Buscou Dolores a melhor solução.
A ordem foi invertida:
- verbo: buscou;
- sujeito: Dolores;
- objeto direto: a melhor solução.
Leia também: O que é a ironia e qual é a importância da ironia na literatura?
A importância do hipérbato para a literatura
O hipérbato é um complicador da leitura e mostra a habilidade de escrita do autor ou autora. Afinal, a leitora e o leitor precisam fazer um maior esforço para entender as frases ou os versos. Ele é bastante usado na literatura, principalmente na poesia. Alguns estilos de época como o Classicismo, o Barroco e o Simbolismo utilizam mais essa figura de linguagem.
Como exemplo, vamos ler um famoso soneto de Camões, autor do Classicismo português. Para identificar hipérbatos, o segredo é localizar todos os verbos, os quais destacamos abaixo em negrito:
Amor é um fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealdade. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?
De cara, percebemos que o sujeito do verbo “ser” é a palavra “amor”. Em relação aos outros verbos do poema, também está tudo muito tranquilo, pois os versos respeitam a ordem natural SUJEITO + VERBO + COMPLEMENTO e/ ou PREDICATIVO. Então, no primeiro terceto, esbarramos com este verso:
“é ter com quem nos mata, lealdade”.
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Aqui, há um hipérbato, pois esta é a ordem natural: “é ter lealdade com quem nos mata”. Percebeu como tudo fica claro ao eliminar a inversão? Por falar em ficar claro, a última estrofe é a que gera maior confusão em leitoras e leitores, e isso é um mérito do hipérbato:
Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade, se tão contrário a si é o mesmo Amor?
Então vamos fazer as coisas ficarem claras. Essa estrofe está dizendo o seguinte. Mas como a amizade pode causar seu favor nos corações humanos se o mesmo Amor é tão contrário a si, ou seja, à amizade? Entendeu? Vamos tentar ser mais claros. Como é que a amizade pode causar algum benefício nos corações humanos se o Amor é o contrário da amizade?
Assim, o eu lírico diz que o Amor é o oposto da amizade e, portanto, não pode causar benefícios aos corações humanos. Ao opor o amor à amizade, ele mostra o quanto o amor pode causar malefícios.
Exemplos de hipérbato na literatura brasileira
Vamos buscar os hipérbatos neste irônico soneto do poeta barroco Gregório de Matos:
Neste mundo é mais rico, o que mais rapa: Quem mais limpo se faz, tem mais carepa: Com sua língua, ao nobre o vil decepa: O Velhaco maior sempre tem capa. Mostra o patife da nobreza o mapa: Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa; Quem menos falar pode, mais increpa: Quem dinheiro tiver, pode ser Papa. A flor baixa se inculca por Tulipa; Bengala hoje na mão, ontem garlopa: Mais isento se mostra, o que mais chupa. Para a tropa do trapo vazo a tripa, E mais não digo, porque a Musa topa Em apa, epa, ipa, opa, upa.
Agora, vamos desfazer as inversões, ou seja, os hipérbatos:
- VERSO 1: Neste mundo o que mais rapa é mais rico;
- VERSO 3: Com sua língua, o vil decepa ao nobre;
- VERSO 5: O patife mostra o mapa da nobreza;
- VERSO 7: Quem menos pode falar, mais increpa;
- VERSO 8: Quem tiver dinheiro, pode ser Papa;
- VERSO 11: O que mais chupa se mostra mais isento;
- VERSO 13: E não digo mais, porque a Musa topa.
Vamos ler também o soneto Sonho branco, do poeta simbolista Cruz e Sousa:
De linho e rosas brancas vais vestido, Sonho virgem que cantas no meu peito!... És do Luar o claro deus eleito, Das estrelas puríssimas nascido. Por caminho aromal, enflorescido, Alvo, sereno, límpido, direito, Segues, radiante, no esplendor perfeito, No perfeito esplendor indefinido... As aves sonorizam-te o caminho... E as vestes frescas, do mais puro linho E as rosas brancas dão-te um ar nevado... No entanto, ó Sonho branco de quermesse! Nessa alegria em que tu vais, parece Que vais infantilmente amortalhado!
Agora, vamos desfazer as inversões, isto é, os hipérbatos:
- VERSO 1: Vais vestido de linho e rosas brancas;
- VERSO 3: És o claro deus eleito do Luar;
- VERSO 4: Nascido das estrelas puríssimas.
Você percebeu que o hipérbato é muito importante na literatura, não é mesmo? Então, que tal ler uma obra literária? É só comprar o livro Punhétricas e ver se ele tem muitos hipérbatos.
Leia também este livro: O gato angorá.
Referências
CAMÕES, Luís de. Sonetos. Acesso em: 26 maio 2023.
CRUZ E SOUSA. Sonho branco. In: CRUZ E SOUSA. Broquéis. Acesso em: 26 maio 2023.
MATOS, Gregório de. Contemplando nas coisas do mundo desde o seu retiro, lhe atira com o seu apage, como quem a nado escapou da tormenta. In: MATOS, Gregório de. Antologia poética. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997.
SACCONI, Luiz Antonio. Nossa gramática completa. 34. ed. São Paulo: Matrix Editora, 2021.
Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.