Por que ler Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus?

Quarto de despejo: diário de uma favelada.
Quarto de despejo — editora Ática.

Neste artigo, você vai saber quem é a escritora Carolina Maria de Jesus. E conhecer a história de seu diário Quarto de despejo. Essa crua narrativa mostra a realidade de uma brasileira preta e pobre na favela do Canindé, na cidade de São Paulo, durante o final dos anos 1950. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

Quem é Carolina Maria de Jesus?

Carolina Maria de Jesus é uma escritora brasileira. Ela nasceu em Sacramento (MG), no dia 14 de março de 1914 e faleceu em 13 de fevereiro de 1977, em Parelheiros (SP). Teve apenas dois anos de estudo formal, mas era apaixonada pela leitura. Assim, escrever foi uma consequência natural dessa sua paixão.

Em seu livro Diário de Bitita, ela relata toda a sua trajetória antes de fazer sucesso como escritora. Uma vida marcada pela pobreza, preconceito e muito trabalho. Chegou até a ser presa, em sua cidade natal, no ano de 1933, por um motivo que causa surpresa e revolta. Por saber e gostar de ler, foi acusada de ler textos de feitiçaria. Isso, em pleno século XX.

A escritora Carolina Maria de Jesus.

Após esse ato de violência e injustiça, a autora se mudou para São Paulo. Mas foi em 1948 que ela fixou residência na favela do Canindé, cenário de seu livro mais famoso, ou seja, Quarto de despejo. Ali, ela teve três filhos e os criou sozinha como catadora de papel. E, apesar das dificuldades, sempre achava tempo para ler e escrever.

Foi por meio do jornalista Audálio Dantas que ela conseguiu publicar o seu primeiro livro — Quarto de despejo: diário de uma favelada. O sucesso foi estrondoso, e a escritora pôde enfim se mudar da favela. Mas continuou vivendo modestamente e enfrentando preconceitos até a sua morte.

Leia também: Pílades e Orestes, conto de Machado de Assis.

Qual é a temática do diário Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus?

A obra é escrita em linguagem coloquial, o que a torna extremamente poética, já que tal linguagem é construída de forma natural e reproduz o jeito de falar da autora. Portanto, é algo que dá ao texto um caráter de coisa viva e emotiva. Também, naturalmente, a escritora quase não usa acentos em suas palavras.

O livro narra fatos da vida da autora entre 1955 e 1960, quando ela morava na favela do Canindé, em São Paulo. Mostra o seu gosto pela leitura. Muitas vezes, Carolina lia livros ou revistas que encontrava no lixo. O dinheiro era bastante escasso, cada dia era uma luta para ter o que comer, a fome era sempre uma ameaça que rondava a vida da autora.

Essa voz feminina da favela fala de vários assuntos, tais como violência contra a mulher, fome, independência feminina. Carolina Maria de Jesus nunca quis se casar, apreciava sua liberdade, e criava os filhos sozinha. No entanto, a mulheres dali pareciam não gostar muito da escritora.

Segundo a autora: “Aqui, todas impricam comigo. Dizem que falo muito bem. Que sei atrair os homens. […] Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo”. A escrita é sua forma de lidar com a existência e suportar a realidade.

O racismo também é exposto na obra, além das dificuldades advindas dele: “E assim no dia 13 de maio de 1958 eu lutava contra a escravatura atual — a fome!”. Além disso, o livro mostra que a favela já era o lugar preferido dos políticos em busca de votos: “Os politicos só aparecem aqui nas epocas eleitoraes”.

Assim, no seu diário, ela denuncia a fome, a desigualdade social e de gênero, a violência, o racismo, a demagogia, a crueldade humana, as injustiças. E, além da fome física, ela demonstra também ter uma grande fome intelectual, que é satisfeita, em parte, pela leitura e pela escrita.

Por que ler Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus?

Carolina Maria de Jesus não é a primeira escritora preta da literatura brasileira. Antes dela, no século XIX, Maria Firmina dos Reis foi uma representante do Romantismo. Já no século XX, Ruth Guimarães fez história em nossa literatura. Porém, Carolina Maria de Jesus é a primeira escritora preta a ter um destaque midiático no Brasil e no exterior.

Com a publicação de seu diário Quarto de despejo, a escritora ficou sob os holofotes da imprensa e fez bastante sucesso. Essa visibilidade não foi importante só literariamente, mas também politicamente. A obra da autora, além de sua qualidade literária, evidente em seu trabalho com a linguagem coloquial e poética, traz o testemunho de uma pessoa que está inserida em diversos grupos minoritários.

Carolina era mulher, preta, pobre (ou “favelada”). Seu amor pela leitura a levou a escrever. Assim, ela pôde registrar a sua realidade e a de pessoas que viviam realidade semelhante à dela. Coisa rara na literatura brasileira, que, historicamente, traz a voz dos grupos dominantes, ou seja, de homens brancos e burgueses.

Por muito tempo, homens brancos, burgueses e heterossexuais registraram em suas obras literárias o universo feminino, preto, pobre e homossexual. Atualmente, já temos escritoras e escritores representantes dessas minorias. Mulheres que escrevem sobre mulheres, pessoas pretas que escrevem sobre pessoas pretas, pessoas homossexuais que escrevem sobre a sua realidade, além de outras minorias.

Isso é extremamente importante, já que homens brancos, burgueses e heterossexuais não têm a experiência para saber como de fato é ser mulher, preto(a), pobre ou homossexual. Portanto, na década de 1960, quando a escritora ficou em evidência, ela era uma pioneira no que hoje chamamos de “literatura periférica”.

Classificação um tanto limitadora para uma autora que levou a “periferia” para o centro. Isso mesmo, essa mulher talentosa e inteligente fez a voz das minorias ser ouvida no Brasil e no exterior. Assim, ler Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus, é uma forma de conhecer um pouco mais a rica literatura brasileira.

Esse livro também nos ajuda a entender um pouco mais a realidade de inúmeras brasileiras pretas e pobres. Afinal, a obra da escritora Carolina Maria de Jesus traz uma parte da história nacional que muitos preferem ignorar e, assim, ignoram o verdadeiro país em que vivem.

Então, você quer conhecer uma obra pertencente à literatura de minorias produzida atualmente no Brasil? É só ler o minirromance homoerótico De passagem.

Leia também este livro: Pérolas aos porcos.

Referências

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. São Paulo: Ática, 1993.

LITERAFRO. Carolina Maria de Jesus. Acesso em: 01 ago. 2022.

MIRANDA, Fernanda Rodrigues de. Os caminhos literários de Carolina Maria de Jesus: experiência marginal e construção estética. 2013. 153 f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

PEREIRA, Elizabeth Barboza. Carolina Maria de Jesus: cronologia biográfica. Acesso em: 01 ago. 2022.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.