Capa do livro O menino do Gouveia, publicado com o selo CDP.
Capa do livro O menino do Gouveia, publicado com o selo CDP.

Neste artigo, você vai conhecer a história do conto O menino do Gouveia. Além disso, vamos tentar responder à seguinte questão: “O menino do Gouveia é arte?”. A partir daí, você vai poder refletir sobre a relação entre pornografia, arte e entretenimento. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

Qual é a história do conto O menino do Gouveia?

O conto O menino do Gouveia é narrado por Capadócio Maluco. Depois de fazer sexo com Bembem, este lhe conta a sua iniciação sexual, na adolescência, com um homem mais velho chamado Gouveia. A relação entre Bembem e Gouveia ocorre após o rapaz fugir de casa ao ser rejeitado pelo tio, por quem nutria um lascivo desejo.

Essa narrativa é considerada o primeiro conto homoerótico de caráter pornográfico escrito no Brasil. Daí a sua importância também histórica. No entanto, seu autor é desconhecido, pois preferiu assinar o texto com o nome de seu narrador, isto é, Capadócio Maluco.

É preciso ressaltar que a obra é repleta de estereótipos, condizentes com o pensamento da época. Além disso, as relações sexuais entre os personagens são explícitas e narradas, inclusive, com o uso de palavrões, o que lhe dá o caráter pornográfico. Além disso, o conto é direcionado a homens heterossexuais. Mas se você quiser ler essa narrativa, é só clicar aqui.

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O menino do Gouveia é arte? Eis a questão

Essa não é uma pergunta fácil de ser respondida. E também não possui uma resposta definitiva. Eu sou daqueles estudiosos que entendem que a arte não possui uma função utilitária. Portanto, quando dizemos que a arte tem uma função estética, estamos dizendo que ela não é utilitária.

Se eu perguntar a você para que serve um manual de instruções de uma televisão, a resposta é óbvia, ou seja, ele indica como utilizar o aparelho. Mas se pergunto para que serve o livro Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust (1871-1922), a resposta não é tão óbvia.

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É preciso parar, pensar, e aqueles que, porventura, derem uma resposta, darão respostas diferentes umas das outras. Isso quer dizer que, se a arte fosse utilitária, todo mundo saberia o que fazer com o livro de Proust. No entanto, não o utilizamos para alguma coisa. E nem todos enxergam essa obra da mesma maneira.

Além disso, sou daqueles que defendem que arte é incômodo. Portanto, obras “agradáveis” têm uma função, já que existem para entreter. Então, chegamos aonde queríamos: um texto pornográfico é um texto funcional, já que ele serve para alguma coisa, isto é, provocar a excitação sexual do(a) leitor(a).

Resta saber se o conto de Capadócio Maluco provoca mais excitação do que incômodo. E o incômodo pode estar associado não só ao fato de ser uma obra homoerótica, o que desagradaria a alguns heterossexuais homofóbicos, mas também ao fato de contar a iniciação sexual de um adolescente de catorze anos com um homem mais velho.

Na época de sua publicação, no início do século XX, em 1914, a obra não deve ter provocado incômodos, já que foi publicada na revista O Rio Nu, que trazia contos eróticos ou pornográficos. Portanto, tinha um público específico: homens heterossexuais, mas curiosos.

Em conclusão, por ser um texto de mais de cem anos, inserido em uma cultura que vê as relações homoeróticas e pederásticas (no sentido grego) de forma um pouco distinta de como eram vistas no passado, apesar de os moralismos estarem talvez mais acentuados ou tão atuantes quanto antes, o conto tende a ser transgressor e incômodo.

Então, quer saber mais sobre homoerotismo? É só ler os livros Homoerotismo em foco e Literatura homoerótica. Assim, você poderá pensar um pouco mais a respeito dessa relação entre homoerotismo e literatura. E não se esqueça de conferir, também, o livro Arte, literatura e política.

Referências

ABAURRE, Maria Luiza M.; PONTARA, Marcela. Literatura: tempos, leitores e leituras. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2015.

ADORNO, Theodor W. Teoria estética. Tradução de Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1988.

COSTA, Valmir. O menino do Gouveia: a história real que inspirou o primeiro conto homoerótico brasileiro de 1914. Projeto História, São Paulo, v. 69, p. 419-457, set./ dez. 2020.

OSBORNE, Harold. Estética e teoria da arte: uma introdução histórica. Tradução de Octavio Mendes Cajado. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1978.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.