O que é a ironia e qual é a importância da ironia na literatura?

Sorrisos também podem ser irônicos.
Sorrisos também podem ser irônicos.

Neste artigo, você vai saber o que é a ironia. Além disso, vai descobrir qual é a sua importância na literatura. Também vai poder ler alguns exemplos para entender ainda mais sobre esse assunto. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

O que é ironia?

Quando você diz algo oposto àquilo que você realmente queria dizer, você está sendo irônico. É claro que isso deve ser uma intenção da sua parte. Porém, quanto mais sutil a ironia, mais difícil se torna a sua identificação.

Imaginemos que o pequeno Alberto, filho da Sônia, não se comporta muito bem e faz um milhão de traquinagens. A mãe olha para ele e diz:

Alberto, você é um anjo!

Na verdade, ela quer dizer o contrário, que a pequena peste é um demônio em pele humana. Portanto, muita atenção. Se alguém te elogiar, não acredite de cara, pode ser que você esteja sendo alvo de alguma ironia.

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No contexto de fala, é mais fácil identificar essa figura de linguagem, pois contamos com gestos e tom de voz. Na escrita, é preciso ter mais atenção para percebermos detalhes no texto que nos mostrem que seu autor está sendo irônico. Assim, a ironia pode apresentar um caráter de zombaria ou mesmo de crítica.

Por fim, também entendemos como irônica uma situação que se opõe àquilo que se espera:

Por ironia, Mércia, que sempre criticou os corruptos, foi presa por corrupção.

E para quem já está perguntando qual a diferença entre ironia e sarcasmo, vamos lá! O sarcasmo é um tipo de ironia mais ofensiva, agressiva e que denota desprezo pelo alvo da crítica. Mas, como qualquer ironia, ele pode ser amenizado por gestos ou tom de voz, no caso da fala.

Leia também: Quais são os tipos de metáfora e qual é a importância da metáfora na literatura?

A importância da ironia na literatura

Os textos literários utilizam a ironia para fazer críticas sociopolíticas ou mesmo como recurso humorístico. Por ser uma figura de linguagem marcada pela sutileza, ela imprime ao texto certa profundidade. Assim, textos irônicos exigem leitores e leitoras mais críticos(as) e atentos(as).

Dizem por aí que ironia é coisa de gente inteligente. Não sei se é uma verdade, mas o fato é que a ironia exige mais de nós leitores. Se não somos capazes de ler nas entrelinhas e perceber o contexto, nossa leitura se vê prejudicada. E textos literários críticos estão repletos de detalhes só percebidos por pessoas mais sagazes.

A ironia não é usada apenas em textos literários, os não literários também recorrem a essa figura de linguagem. No entanto, na literatura, a natureza irônica do texto se junta a outros elementos que potencializam o seu caráter artístico, isto é, não funcional. Aliás, se você quer entender o que é uma obra de arte, leia este texto sobre arte e entretenimento.

Exemplos de ironia na literatura brasileira

  • A luneta mágica, de Joaquim Manuel de Macedo:

A falta de dinheiro não podia embaraçar a execução do meu plano; eu contava tantos amigos que facilmente arranjaria quatro ou seis contos de réis.

Paguei o que devia no hotel e fui logo procurar o velho Nunes, e em seguida ao bom Damião e a mais quinze ou vinte, a todos os quais patenteei a minha situação, confiei o meu plano, e pedi algum dinheiro ou a título de empréstimo, ou em pagamento do que me deviam.

Triste observação!… Não achei em todos esses excelentes amigos um só que me acudisse com alguma e ainda diminuta quantia!… mas os pobres e honradíssimos homens asseguraram-me que em quinze dias ou um mês me levariam a casa trinta ou quarenta contos de réis.

  • “Negrinha”, de Monteiro Lobato:

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de crianças.

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora. […].

Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. […].

No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer… Assim cresceu Negrinha — magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a ideia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta.

— Sentadinha aí, e bico, hein?

[…]

  • Dom Casmurro, de Machado de Assis:

Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu. Cumprimentou-me, sentou-se ao pé de mim, falou da lua e dos ministros, e acabou recitando-me versos. A viagem era curta, e os versos pode ser que não fossem inteiramente maus. Sucedeu, porém, que como eu estava cansado, fechei os olhos três ou quatro vezes; tanto bastou para que ele interrompesse a leitura e metesse os versos no bolso.

[…]

Vi-lhe fazer um gesto para tirá-los outra vez do bolso, mas não passou do gesto; estava amuado. No dia seguinte entrou a dizer de mim nomes feios, e acabou alcunhando-me Dom Casmurro. Os vizinhos, que não gostam dos meus hábitos reclusos e calados, deram curso à alcunha, que afinal pegou. Nem por isso me zanguei. Contei a anedota aos amigos da cidade, e eles, por graça, chamam-me assim, alguns em bilhetes: “Dom Casmurro, domingo vou jantar com você.” — “Vou para Petrópolis, Dom Casmurro; a casa é a mesma da Rhenania; vê se deixas essa caverna do Engenho Novo, e vai lá passar uns quinze dias comigo.” — “Meu caro Dom Casmurro, não cuide que o dispenso do teatro amanhã; venha e dormirá aqui na cidade; dou-lhe camarote, dou-lhe chá, dou-lhe cama; só não lhe dou moça.”

Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Tudo por estar cochilando! Também não achei melhor título para a minha narração; se não tiver outro daqui até ao fim do livro, vai este mesmo. O meu poeta do trem ficará sabendo que não lhe guardo rancor. E com pequeno esforço, sendo o título seu, poderá cuidar que a obra é sua. Há livros que apenas terão isso dos seus autores; alguns nem tanto.

Você percebeu que a ironia é muito importante na literatura, não é mesmo? Então, que tal ler uma obra literária? É só comprar o livro Os Wagner e ver se ele tem muitas ironias.

Leia também este livro: Tô ligado!.

Referências

MACEDO, Joaquim Manuel de. A luneta mágica. 10. ed. São Paulo: Ática, 1999.

MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

MONTEIRO LOBATO. Negrinha. In: MONTEIRO LOBATO. Negrinha. São Paulo: Globo, 2008.

SACCONI, Luiz Antonio. Nossa gramática: teoria e prática. 26. ed. São Paulo: Atual Editora, 2001.

Este artigo foi escrito por: Warley Matias de Souza.