O poema “Rapto” faz parte do livro Claro enigma, publicado pela editora Record.
O poema “Rapto” faz parte do livro Claro enigma, publicado pela editora Record.

Neste artigo, você vai encontrar uma análise do poema Rapto, de Carlos Drummond de Andrade. Segundo nossa interpretação, o homoerotismo é o elemento central dessa obra do Modernismo brasileiro. E você que gosta dos conteúdos do site Literatura!, conheça também os livros de seu autor. É só clicar aqui.

Quem é Carlos Drummond de Andrade?

Drummond, sem sombra de dúvida, é o poeta mais famoso de Minas Gerais. Ele nasceu no início do século XX, lá no ano de 1902, no dia 31 de outubro, na cidade mineira de Itabira. Na adolescência, estudou como interno no famoso colégio Arnaldo, na cidade de Belo Horizonte.

Também estudou em outro colégio interno (o Anchieta), em Nova Friburgo. E sabe o que aconteceu? O poeta foi expulso de lá porque brigou com o professor de Português. Mais tarde, estudou na Escola de Odontologia e Farmácia na capital mineira. Além disso, foi funcionário público.

Carlos Drummond de Andrade morreu em 17 de agosto de 1987, no Rio de Janeiro. Lembro até que minha querida professora de Português, nesse dia, mencionou o fato e manifestou sua tristeza pela morte do poeta que ela tanto amava. Foi a primeira vez que ouvi falar de Drummond, e não foi a última.

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Análise do poema “Rapto”, de Carlos Drummond de Andrade

Vamos ler o poema “Rapto”, do livro Claro enigma:

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o voo mais cortante; 
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

Portanto, o eu lírico fala de uma águia que corta os ares e arranca ou rapta “esse que é forma pura e que é suspiro/ de terrenas delícias combinadas”. O que seria essa “forma pura”? Como está associada ao pronome masculino “esse”, podemos, pelo contexto, concluir que ela é o amor, sendo a águia metáfora de quem ama.

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Então a voz poética mostra que essa forma pura (o amor), ao se degradar (a sexualização do amor), “mais perfeita se eleva”, “pois atinge/ a tortura do embate, no arremate/ de uma exaustão suavíssima”. Ao que nos parece, o eu lírico está falando do orgasmo, o qual é o “tributo/ com que se paga o voo mais cortante” da águia (do(a) amante).

Agora precisamos lembrar que o livro Claro enigma, que contém o poema “Rapto”, foi publicado, pela primeira vez, em 1951. Nessa época, a homossexualidade não era vista como é hoje, ou seja, como algo natural (o que ela de fato é). Assim, o eu lírico apresenta uma sequência de condições:

  • se a “águia” recusa “o pasto natural aberto aos homens”, devido ao amor que sente por “uma ave”: o pasto natural seria a heterossexualidade.
  • se pela via “hermética” (obscura) e “defesa” (proibida), ela vai buscando o “cândido alimento/ que a alma faminta implora até o extremo”: o cândido alimento é o amor sexualizado; no caso, o amor homossexual.
  • se esses “raptos terríveis” (o amor homossexual) se repetem tanto “nos campos” quanto nas “portas de pérola dúbia das boates”: mostra o caráter marginal do amor homossexual ao mencionar as “noturnas portas” das boates.
  • se há “no beijo estéril” (que não leva à procriação), um soluço disfarçado, que não se mostra, comparado a “cinza”, e tudo é triste sob o céu flamante: a referência ao “céu” está relacionada à águia (amante), porém imersa em tristeza, forma como a voz poética parece enxergar o homossexual.

Nesse ponto, o eu lírico abre um parêntese no qual diz que “o pecado cristão”, submetido ao “mistério pagão”, “mais o alanceia”, ou seja, fere o céu. Lembremos que o poema começa com a águia cortando os ares. Já o pecado e o paganismo se referem ao sexo homossexual. Então, o eu lírico conclui o raciocínio iniciado pela sequência de condições.

Assim, ele diz que, perante tudo isso, devemos baixar nossos olhos ao propósito “da natureza ambígua e reticente”. Nesse ponto, ele finalmente trata o amor homossexual como algo natural. E afirma que a natureza produz, duplicando o amargor do amor, “outra forma de amar” no doloroso amor. De maneira que dá a entender que essa “outra forma de amar” é mais amarga.

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Referências